domingo, 10 de outubro de 2010

Comedores compulsivos

Há cada vez mais pessoas que não param de comer
por CATARINA CRISTÃO



Comem sem conseguir parar e escondem bolachas ou chocolates para ter a certeza de que estarão lá sempre que precisarem. São dependentes de alimentos calóricos, que garantem uma rápida sensação de satisfação e diminuem a ansiedade. Não há números concretos, mas estima-se que este problema represente 8% dos distúrbios alimentares. Os médicos alertam que muitos adictos não reconhecem que estão doentes.


Durante dez anos da minha vida, entre os 20 e os 30, tinha sempre o meu stock de chocolates atrás da porta do quarto. Só assim me sentia protegida. Tinha de saber que os tinha lá e que não precisava de sair de casa para os comprar e comer." A comida sempre dominou a vida de Margarida, agora com 48 anos. Chegou a pesar 120 quilos, pelo comportamento obsessivo que desenvolveu em relação a bolos, tartes e doces. Costumava comprá-los durante a hora do trabalho e ficar o resto do dia a pensar no momento em que os iria consumir, à noite em casa, às escondidas e longe dos olhares reprovadores dos outros.
Margarida é uma adicta da comida, uma doença que pode ser tão destrutiva como a dependência do álcool ou das drogas. "É uma prisão. Não se pode viver com ela nem sem ela. Quando estava triste, comia exageradamente; quando estava contente, também, porque achava que merecia, como se fosse um prémio", lembra. Na pior fase, perto do 30 anos, as depressões sucessivas levaram-na a tomar antidepressivos e a tentar suicidar-se por diversas vezes.

"Os adictos da comida ou overating sofrem de um mecanismo obsessivo e compulsivo que os leva a comer exageradamente, sobretudo alimentos calóricos porque são os que rapidamente dão sensação de compensação", explica João Pedro Augusto, psicólogo da Centro de Recuperação Villa Ramadas, que estima que esta doença represente 8% dos distúrbios alimentares e que haja centenas de milhares de doentes em todo o mundo. "A tendência será para o número ir crescendo, como acontece nos outros distúrbios."

Para este especialista em adição, o factor mais importante não é a comida, mas o que está por trás do comportamento. "São doentes que sofrem de graves problemas psicológicos e emocionais. O overating não é o problema. É o sintoma do problema", refere.

Já Isabel do Carmo, endocrinologista do Hospital de Santa Maria, define adições específicas: "Existem dependências de certos alimentos, como o chocolate ou doces. Ao serem ingeridos, fazem que o cérebro liberte substâncias químicas, como a serotonina e a dopamina, responsáveis pelo bem-estar. Um processo semelhante ao que acontece com o tabaco e as drogas. Resulta numa espécie de tratamento antidepressivo."

"Os alimentos identificados como tendo propriedades aditivas incluem os doces, os glícidos ou hidratos de carbono, as gorduras, as combinações gordura/doces e possivelmente alimentos muito ricos em sal", refere ainda o endocrinologista David Carvalho.

Sobreviver apenas

Já em criança Margarida tinha problemas de auto-estima . "Era a mais gordinha de três irmãs, isolava-me e sentia-me menos do que os outros", lembra. A primeira vez que tentou fazer uma dieta tinha oito anos e, à medida que os anos passaram, o problema da comida foi-se instalando. "Sem dar por isso, ia-me refugiando nos alimentos. Precisava deles para estar protegida." Porém, a adição trouxe-lhe ainda mais instabilidade psíquica: "À noite comia, no mínimo, uma tablete de chocolate para me sentir bem, mas no fim, a tristeza, revolta e remorsos apoderavam-se de mim. Acordar no dia seguinte para ir trabalhar era um sofrimento horroroso. Eu não vivia, eu sobrevivia."

A adição à comida também acompanha Denise, 35 anos, desde criança. "Nunca tinha entendido a vontade voraz de comer como doença ou adição", confessa.
"A grande dificuldade é a aceitação da doença. As pessoas entram em negação. Pensam 'é só hoje'. Mas entra-se num padrão de comportamento", alerta o psicólogo João Augusto, referindo que as desculpas são sempre as mesmas: "Comem porque estão desempregadas, porque correu mal o dia, porque estão deprimidos. E só termina quando já está maldisposto."

As dietas rápidas e sucessivas faziam parte da vida de Denise, "mas falhavam sempre". Sentia-se muito mal com o seu aspecto físico: "Deixei de conviver com os meus amigos e não conseguia interagir com os meus colegas do trabalho. Isolava-me do mundo."

Denise está em tratamento desde há um ano. Frequenta as reuniões dos Adictos da Comida Anónimos (ver texto relacionado) e ganhou auto-estima. Desde então não voltou a comer alimentos que pudessem causar adição. "Há 15 anos que não toco em chocolate", garante também Margarida, que também está a fazer recuperação nas reuniões em Lisboa.

fonte. Sapo